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The Economist: China aumenta pressão militar sobre Taiwan

Incursões aéreas de Pequim nas proximidades da ilha elevam o risco de uma crise

Por The Economist
Atualização:

Foi uma provocação deliberada, programada patrioticamente. Em 1.º de outubro, dia nacional do país, a China lançou 38 aeronaves, incluindo caças e bombardeiros, na direção de Taiwan. As aeronaves entraram na Zona de Identificação de Espaço Aéreo (Ziea) da ilha, uma região-tampão em que intrusões causam alertas militares com frequência.

Foi o recorde diário no ano. Ao longo dos três dias seguintes, a China mandou outros 111 aviões. Em resposta, Taiwan lançou jatos, fez avisos de alerta e rastreou as aeronaves chinesas com sistemas de mísseis. O ministro da Defesa da ilha, Chiu Kuo-cheng, qualificou o evento como “a situação mais difícil que encarei nos mais de 40 anos de minha vida militar”.

Bombardeiro chinês PLA Xian H-6, após incursão de mais de 50 aeronaves militares na zona de defesa aérea de Taiwan. Foto: EFE/EPA/Ministério da Defesa do Taiwan

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Em 6 de outubro, a China não acionou nenhum avião militar na Ziea. Até então, nenhum voo tinha entrado no espaço aéreo taiwanês, que se estende por 12 milhas náuticas (cerca de 22 quilômetros) a partir da margem da ilha. Os intrusos normalmente chegam a até 35 milhas náuticas da costa taiwanesa. Mas autoridades americanas claramente compartilham da ansiedade de Chiu.

No dia 6, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, pediu à China que cessasse sua atividade “provocativa” nas proximidades de Taiwan. Naquele mesmo dia, Jake Sullivan, o conselheiro de Segurança Nacional do presidente Joe Biden, expressou a preocupação americana na Suíça, em uma reunião com Yang Jiechi, o mais graduado diplomata da China e membro do Politburo que governa o país.

A China segue firme em seu curso. Sua mídia estatal descreveu as incursões como uma demonstração da habilidade do país de acionar “um ataque aéreo de guerra”. Nos dias recentes, a China tem intensificado exibições de sua crescente capacidade militar, especialmente no mar e no ar, como um aviso a Taiwan. A mensagem dos chineses é que, se Taiwan se recusar a aceitar sua reivindicação de soberania sobre a ilha, Pequim poderá usar a força. Chiu, um general aposentado, disse ao Parlamento taiwanês no dia 6 que a China terá capacidade de organizar uma invasão militar em larga escala até 2025, sob um custo que o Partido Comunista poderá considerar tolerável. 

Tsai Ing-wen, presidente de Taiwan Foto: Taiwan Presidential Office via AP

A Ziea taiwanesa se estende sobre parte da costa da China, então não surpreende que aeronaves militares chinesas voem com frequência nesse espaço aéreo. Mas a China enviou seus aviões para sondar áreas da Ziea muito mais próximas à ilha, no entorno da região sudoeste do limite que ficou conhecido como “linha média”, uma fronteira informal na metade do Estreito de Taiwan, entre a ilha e o continente.

A China passou a realizar diariamente essas incursões aéreas nas proximidades da costa sul de Taiwan. Esses voos poderiam ter como objetivo exaurir as forças de defesa taiwanesas (a Aeronáutica de Taiwan é muito menor do que a chinesa) e condicioná-las a considerar normais essas grandes operações, facilitando para China disfarçar como um exercício a fase inicial de um ataque. 

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Aferir as intenções da China é extremamente difícil. O país é dado a demonstrações de força quando considera que Taiwan chega perto demais de garantir sua independência permanente ou quando os EUA se aproximam da ilha. Exercícios militares recentes podem estar relacionados a desdobramentos desse tipo.

Neste ano, o governo Biden manifestou apoio a Taiwan publicamente à União Europeia, ao G-7, ao Japão e à Coreia do Sul. Setembro foi um mês especialmente incômodo: Taiwan solicitou adesão a um pacto de livre-comércio trans-Pacífico logo depois de a China fazer o mesmo pedido; e navios de guerra americanos e britânicos navegaram pelo Estreito de Taiwan. Em 15 de setembro, EUA, Reino Unido e Austrália estabeleceram um pacto de defesa, o Aukus, que é visto em Pequim como uma aliança com objetivo de manter a China sob controle. Nos dias que se seguiram, a China intensificou seus voos militares na Ziea de Taiwan. 

Se os aviões sobrevoarem o território terrestre da ilha, não está claro como Taiwan responderia. Tsai Ing Wen, a presidente de Taiwan, tem afirmado que os pilotos taiwaneses não serão os primeiros a atirar – a não ser que tenham ordens explícitas para isso. O mais recente Relatório Quadrienal de Defesa de Taiwan, publicado este ano, foi vago sobre o tema, afirmando somente que as respostas da ilha deveriam se intensificar à medida que as aeronaves chinesas se aproximarem da ilha. 

Alguns analistas duvidam que um caça taiwanês seja autorizado a disparar mais do que um tiro de aviso, mesmo que um avião chinês sobrevoe o território terrestre taiwanês. Em um artigo ainda não publicado, dois pesquisadores americanos, Bonny Lin, do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais, e David Sacks, do Council on Foreign Relations, citam reportagens taiwanesas afirmando que Taiwan pode ter dividido seu espaço aéreo em três zonas de engajamento militar: uma “zona de vigilância”, de 30 milhas náuticas; uma “zona de alerta”, de 24 milhas náuticas; e uma “zona de destruição”, de 12 milhas náuticas. Lin e Sacks afirmam que, se qualquer tipo de interação levar à morte de algum piloto, mesmo que por acidente, “ambos os lados teriam poucas condições” de manter as tensões sob controle. 

O premiê australiano, Scott Morrison (esq.), Joe Biden (cen.), e Boris Johnson (dir), ao anunciar acordo sobre submarinos Foto: Brendan Smialowski / AFP

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Nenhuma morte nesse tipo de situação ocorre desde 1958. Mas acidentes aconteceram na região. Em 2001, uma colisão aérea nas proximidades da costa sul da China, entre um caça chinês e um avião-espião da Marinha americana matou um piloto chinês. Avariada, a aeronave dos EUA pousou em uma base aérea militar da China.

Dez dias de tensão se seguiram até que a tripulação americana tivesse permissão para deixar as instalações. Vinte anos depois, um incidente desse tipo seria mais difícil de ser resolvido. As relações entre EUA e China estão consideravelmente piores. A China suspendeu comunicações oficiais com Taiwan após Tsai chegar à presidência, em 2016, e não endossar a visão das lideranças de Pequim de que só existe “uma China”. 

Se uma crise ocorrer nos céus de Taiwan, o sentimento nacionalista na China poderia complicar ainda mais as coisas. O Global Times, um chauvinista tabloide de Pequim, declarou em abril que, se o governo de Tsai continuar com seu comportamento “hostil” (e trabalhar proximamente com os EUA vale como hostilidade, sugeriu o jornal), caças chineses estariam preparados para cruzar os céus da ilha e desconsiderar a “linha vermelha” de seu espaço aéreo territorial. Tsai parece inabalável. 

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Em uma edição próxima da Foreign Affairs, ela escreve que Taiwan espera “arcar com mais responsabilidades por ser um parceiro econômico e político próximo dos EUA e de outros países de pensamento parecido”. Ela alerta que a população da ilha “se levantará, caso a existência de Taiwan for ameaçada”. Essas palavras não impedirão os voos militares de Pequim, nem acalmarão os temores de que um acidente possa resultar em muito mais sangue derramado. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO 

* © 2021 THE ECONOMIST NEWSPAPER  LIMITED. DIREITOS RESERVADOS.  PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

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