Drones da polícia começam a 'pensar sozinhos'

Em uma cidade do sul da Califórnia, drones voadores com inteligência artificial auxiliam nas investigações e apresentam novas questões sobre direitos civis

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Por Cade Metz
Atualização:

CHULA VISTA, CALIFÓRNIA — Quando a polícia de Chula Vista recebe um chamado no serviço de emergência 911, eles podem enviar um drone aéreo ao local pressionando um simples botão.

Em uma tarde recente, a partir de uma plataforma de lançamento no teto do departamento de polícia de Chula Vista, eles enviaram um drone até um estacionamento lotado do outro lado da cidade, onde um jovem dormia no banco da frente de um carro roubado com apetrechos para o uso de drogas no seu colo.

Capitão Don Redmond, à esquerda, e o sargento James Horst com um drone usado para operações policiais, em Chula Vista, Califórnia. Foto: John Francis Peters/The New York Times

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Quando o homem deixou o carro, levando consigo uma arma e um saco de heroína, a viatura de polícia mais próxima teve dificuldade em segui-lo conforme atravessou a rua e se agachou atrás de uma parede. Mas, enquanto jogava a arma em uma lixeira e escondia o saco de heroína, o drone, pairando acima dele, registrou tudo em vídeo. Quando o homem entrou pela porta dos fundos de um centro comercial e saiu pela porta da frente, correndo pela calçada, o drone acompanhou tudo.

Assistindo ao vídeo transmitido ao vivo, um policial na central repassou os detalhes aos policiais mais próximos do local, que logo apreenderam o sujeito e o levaram sob custódia. Posteriormente, recuperaram a arma e a heroína. Então, pressionando outro botão, o drone voltou sozinho para o telhado.

Todos os dias, a polícia de Chula Vista responde a até 15 chamadas de emergência usando um drone, com mais de 4.100 voos desde o início do programa, dois anos atrás. Situada no Sul da Califórnia, Chula Vista, cidade de 270 mil habitantes, é a primeira nos Estados Unidos a adotar um programa desse tipo, chamado Drone as First Responder (algo como "resposta rápida com drone").

Nos meses mais recentes, três outras cidades — duas na Califórnia e uma na Geórgia — seguiram este exemplo. Faz anos que drones são usados pelos departamentos de polícia do país inteiro, do Havaí a Nova York, mas estes são geralmente usados de forma simples e manual. Os policiais levam drones no porta-malas da viatura e podem usá-lo em uma cena do crime, sobrevoando um parque ou entrando num edifício.

Mas a mais recente tecnologia usada nos drones — semelhante à tecnologia usada nos carros autônomos — tem o poder de transformar o policiamento cotidiano, assim como pode transformar as entregas, as inspeções de edifícios e as missões militares de reconhecimento. Em vez de gastar milhões de dólares em grandes helicópteros e pilotos, até os menores departamentos policiais poderiam operar seus drones autônomos por um baixo valor.

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Mas esse avanço na sua automação desperta preocupações ligadas às liberdades civis, especialmente com os drones desenvolvendo a capacidade de rastrear automaticamente veículos e pessoas. Conforme a polícia usa mais drones, eles podem reunir mais vídeos da vida na cidade, acabando com qualquer expectativa de privacidade fora do lar.

“As comunidades devem fazer perguntas incômodas a respeito desses programas. Conforme o poder e a abrangência dessa tecnologia se expande, o mesmo ocorre com a necessidade de proteção à privacidade", disse Jay Stanley, analista sênior de políticas públicas do Project on Speech, Privacy and Technology, da American Civil Liberties Union. “Os drones podem ser usados para investigar crimes conhecidos. Mas também são sensores que geram infrações”.

Com a pandemia ainda se agravando, os drones são uma forma de fazer o policiamento à distância, disse Rahul Sidhu, policial de Redondo Beach, perto de Los Angeles, que deu início a um programa semelhante ao usado em Chula Vista pouco depois da chegada do vírus aos EUA.

“Estamos apenas tentando limitar nossa exposição ao público", disse ele. “Às vezes, podemos mandar um drone sem mandar um policial”.

Mas ele disse que, no futuro, conforme esses helicópteros não tripulados se tornam mais baratos e mais poderosos, eles oferecerão maneiras mais eficientes de policiar áreas urbanas. Isso pode ajudar os departamentos de polícia em um momento em que o número de recrutas está diminuindo em todo o país e muitas vozes pedem cortes ao orçamento da polícia depois de meses de protestos contra a violência policial.

Drones voadores com inteligência artificial auxiliam nas investigações enquanto apresentam novas questões de direitos civis. Foto: John Francis Peters/The New York Times

Em Chula Vista, os drones já são uma parte integral da resposta da polícia às emergências. Quando chega um chamado, os policiais informam um local ao drone, que voa sozinho até lá — antes de voltar, também sozinho.

As regras da FAA [agência federal de aviação] voltadas à proteção dos voos comerciais e outras aeronaves proíbem que drones viajem para além do campo de visão de seus operadores. Mas Chula Vista obteve uma isenção da FAA, permitindo que o piloto e o policial levem o drone a quase 5 quilômetros do local de lançamento.

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Cada drone — equipado com câmera de longo alcance, outros sensores e programas — custa ao departamento cerca de US$ 35 mil. Mas o custo maior do projeto está no grande número de policiais necessários para operar os drones.

Em uma tarde recente, quando a polícia de Chula Vista foi avisada de um carro caído de ponta cabeça no leito seco de um rio, eles enviaram ao desfiladeiro um novo tipo de drone. Desenvolvido pela Skydio, uma empresa do Vale do Silício, o modelo era capaz de evitar obstáculos sozinho graças a muitas das tecnologias usadas nos carros autônomos.

“Garanto que um drone comum já teria colidido com alguma coisa", disse o sargento James Horst enquanto assistia a um vídeo do drone se aproximando do leito do rio e inspecionando de perto o interior do carro.

O departamento de polícia de Chula Vista trata os vídeos feitos pelos drones como se fossem os vídeos feitos pelas câmeras individuais dos policiais, armazenando as imagens como evidência e divulgando-as somente com aprovação, de acordo com o capitão Don Redmond. O departamento não usa drones nas patrulhas de rotina.

Para defensores da privacidade como Stanley, da ACLU, a preocupação é com a possibilidade de tecnologias cada vez mais poderosas serem usadas contra parte da comunidade — ou usadas para verificar o cumprimento de leis que não acompanharam as normas da sociedade.

“Isso pode permitir que a polícia se concentre na área, nas infrações e nos suspeitos que quisesse", disse Stanley.

Os drones poderiam facilmente ser usados para identificar pessoas e restringir a atividade durante protestos como os vistos constantemente nos EUA nos meses mais recentes, por exemplo. Redmond disse que o departamento de Chula Vista não usou drones nos protestos do movimento Black Lives Matters porque suas políticas proíbem este uso.

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A polícia de Chula Vista não precisa de aprovação de autoridades municipais para ampliar o uso dos drones, mas, de acordo com Redmond, eles notificaram publicamente a comunidade a respeito do contínuo progresso do programa.

Programas que usam drones de resposta rápida em lugares como Redondo Beach e Clovis, na Califórnia, procuram isenções que permitiriam sua operação além do campo de visão do piloto.

Em Clovis, perto do centro do estado, o departamento de polícia descobriu que os drones são propensos ao superaquecimento no alto verão. “Nós os usávamos quatro dias por semana, até o dia em que o calor foi demais", disse o tenente James Munro. “Então, tivemos que mantê-los no chão.”

Mas ele acha que esse e outros obstáculos técnicos logo serão superados. “Drones são como iPhones", disse ele. “Assim que colocamos as mãos em um deles, outro é lançado com novas tecnologias”. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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