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Bombeiro leciona para crianças paquistanesas em parque no centro de Islamabad

Mohammed Ayub conta com 190 alunos; sua escola improvisada não recebe ajuda estatal, mas sobrevive com doações de moradores e voluntários

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Por Redação Internacional
Atualização:

ISLAMABAD - Como em todos os dias durante os últimos 30 anos, Mohammed Ayub chega de bicicleta a um parque no centro de Islamabad, onde cerca de 200 crianças sem recursos esperam sentadas no chão, entre livros, cadernos e lápis, para que comecem as aulas.

Sob um céu que ameaça tempestade, os pequenos se dividem em grupos em torno de Ayub e seus ajudantes para ter aulas de matemática e gramática, em uma queda de braço contra o tempo, a polícia e as autoridades para que as crianças possam sair da pobreza com um futuro longe da violência.

Cerca de 24 milhões de crianças paquistanesas não recebem educação alguma, de acordo com o relatório Estatísticas de Educação do Paquistão de 2015 Foto: AFP PHOTO / FAROOQ NAEEM

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Bombeiro de profissão, com 58 anos, estatura média e cabelos brancos, Ayub começou a dar aulas para uma criança que limpava carros em 1986. Logo depois, outros estudantes se uniram e em poucas semanas ele já contava com 50 alunos.

Desde então, milhares de crianças de famílias pobres foram alunas do mestre Ayub e muitas delas passaram por exames governamentais, cursaram universidade e encontraram trabalhos dignos.

"Minha ideia é que estas crianças não se transformem em ladrões, bandidos ou se unam aos terroristas. Quero que se transformem em cidadãos respeitáveis e cheguem a ser médicos ou engenheiros", disse o professor, casado e pai de três filhos.

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Ayub saiu da cidade de Mandi Bahauddin, na província oriental do Punjab, com pouca educação e quase sem recursos em busca de um trabalho para manter seus sete irmãos em 1976. Após realizar cursos de formação, se uniu ao serviço de Defesa Civil e pouco depois ao Corpo de Bombeiros.

Na rica capital paquistanesa, Ayub foi surpreendido pelo grande número de crianças que trabalhava ou perdia tempo pelas ruas em horário escolar. Após questionar esse assunto, descobriu que muitas delas trabalhavam para ajudar suas famílias pobres e que outras não podiam pagar as matrículas escolares.

Cerca de 24 milhões de crianças paquistanesas não recebem educação alguma, de acordo com o relatório Estatísticas de Educação do Paquistão de 2015. Além disso, calcula-se que 1,8 milhão de crianças estudam em madrassas ou escolas islâmicas, segundo o Ministério da Educação.

Ayub começou então uma nova vida como bombeiro e professor de matemática, de línguas e de ciências, entre outras disciplinas. A missão não foi fácil no começo. Foi expulso dos dois primeiros locais onde estabeleceu suas aulas improvisadas e foi investigado pelas autoridades pois suas atividades passaram a levantar suspeitas.

Finalmente, foi estabelecido no parque do setor F6 da capital com o consentimento das autoridades e a promessa de não erguer uma construção permanente. Com a passagem do tempo, outros voluntários se uniram e alguns ex-alunos passaram a ser professores.

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"Ayub me encontrou um dia cortando madeira na floresta e me sugeriu que viesse às aulas", contou Abbas, de 21 anos e filho de um guarda de segurança.

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O jovem estudou no parque até os 13 anos e depois Ayub o matriculou em um colégio estatal. Abbas terminou o ensino médio e agora se encontra no segundo semestre de Artes da Universidade Allama Iqbal, o que lhe transformou no primeiro membro de sua família a cursar estudos superiores.

A cada dia, após as aulas universitárias, Abbas pega sua bicicleta, presente de Ayub, e se dirige ao parque para ensinar os menores. "Se não tivesse conhecido Ayub, seguiria cortando madeira na floresta", afirmou o jovem professor.

Das 190 crianças que assistem hoje às aulas de Ayub, metade delas não vai ao colégio e a outra metade receberá aulas de apoio.

A escola improvisada não conta com ajuda estatal, mas sobrevive com doações de moradores e voluntários com as quais consegue comprar material escolar. Ambicioso, Ayub quer construir um colégio em um bairro de favelas, onde já comprou um terreno, embora o projeto avance com lentidão pela falta de recursos.

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Apesar de tudo isso, hoje Ayub é reconhecido. Em 2015 ele recebeu um prêmio do presidente do país por seu trabalho letivo e foi condecorado por sua atuação como bombeiro no ataque terrorista contra o Hotel Marriott que deixou 60 mortos em 2008. "Meu verdadeiro prêmio é ajudar estas crianças. Continuarei ensinando até a última gota de sangue", garantiu o professor. /EFE

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