09 de novembro de 2020 | 21h13
BRASÍLIA - Dois dias após o democrata Joe Biden ser eleito como presidente dos Estados Unidos, Jair Bolsonaro não dá sinais de que mudará de opinião e seguirá aguardando o fim das ações judiciais movidas pelo presidente Donald Trump, que se recusa a admitir a derrota.
A pressão para o presidente se manifestar aumentou principalmente após autoridades mundiais, incluindo de extrema direita, cumprimentarem Biden pela vitória. Ministros evitam responder sobre a questão e alegam que esta decisão caberá somente ao chefe do Executivo.
Por parte de auxiliares do Palácio do Planalto, a falta de um gesto é vista como um constrangimento diplomático. Entretanto, Bolsonaro continua seguindo a orientação de assessores da área internacional para que mantenha a “neutralidade”.
O silêncio, no entanto, é interpretado até mesmo no governo como alinhamento total a Trump. A dúvida paira também sobre como este comportamento será recebido por Biden. Além do Brasil, China, Rússia e México não se pronunciaram.
Nesta segunda-feira, 9, o presidente participou de uma premiação do programa Pátria Voluntária, coordenado pela primeira-dama Michelle Bolsonaro. Ao chegar para o evento, mandou um beijo para repórteres que perguntaram sobre Biden.
Ao final da solenidade, a imprensa voltou a fazer questionamentos sobre seu pronunciamento a respeito do resultado da eleição dos Estados Unidos, mas seguiu sem dar declarações. Mais tarde, Bolsonaro fez uma transmissão ao vivo, mas também não fez menção ao tema.
O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, também ignorou as perguntas sobre as relações com o novo governo dos Estados Unidos. Para analistas de política externa, o chanceler, um dos pilares da pauta ideológica do governo, deveria ser substituído para buscar construir uma ponte com a gestão Biden.
No início deste ano, Araújo participou da fundação de uma aliança conservadora com Estados Unidos, Hungria e Polônia. Aliados do governo brasileiro, os líderes de extrema direita dos dois países, o húngaro Viktor Orbán e o polonês Andrezej Duda também já parabenizaram Joe Biden.
Outros dois líderes que Bolsonaro buscou aproximação, os primeiros-ministros da Índia, Narendra Modi, e de Israel, Binyamin Netanyahu, também já reconheceram a vitória de Joe Biden e da sua vice, Kamala Harris.
Em sua publicação no Twitter, Netanyahu agradeceu a Trump por reconhecer Jerusalém como capital de Israel e o controle israelense sobre as Colinas do Golan, território sírio ocupado por Israel desde 1967. Disse obrigado ao presidente americano, mas já acenou com simpatia a Biden, com quem disse que que tem um relacionamento de quase 40 anos.
Pela manhã, o vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que "na hora certa" Bolsonaro irá transmitir os cumprimentos ao eleito nos EUA. Para ele, o Brasil "não corre risco" de ficar para trás nas relações com os Estados Unidos mesmo sendo um dos poucos países que ainda não comentou o resultado do pleito americano.
"Eu julgo que o presidente está aguardando terminar esse imbróglio aí de discussão se tem voto falso, se não tem voto falso, para dar o posicionamento dele. É óbvio que o presidente na hora certa vai transmitir os cumprimentos do Brasil a quem for eleito", disse.
Parabenizar um presidente eleito trata-se de um gesto político e a decisão de como e quando fazer cabe ao próprio presidente. A Presidência está pronta para fazer contato com Biden por telefone ou enviar uma carta, mas Bolsonaro pode escolher se manifestar apenas por Twitter. O chefe do Executivo também pode determinar que o contato seja feito pelo embaixador brasileiro nos Estados Unidos, Nestor Forster.
Em 2000, o presidente Fernando Henrique Cardoso enviou uma mensagem ao republicano George W.Bush somente após a vitória dele sobre o democrata Al Gore ser confirmada pela Suprema Corte, 36 dias após a eleição. Na ocasião, a contestação do resultado se deu apenas na Flórida. Bolsonaristas têm usado este episódio para justificar o silêncio do presidente.
Já Luiz Inácio Lula da Silva, em 2008, telefonou para Barack Obama no mesmo dia do anúncio do resultado. O presidente eleito americano retornou dias depois e eles conversaram por 15 minutos. Por sua vez, Michel Temer, em 2016, preferiu parabenizar com um telegrama.
Enquanto Bolsonaro opta pelo silêncio, seus apoiadores nas redes sociais seguem contestando o resultado das eleições, adotando a narrativa de Trump que, sem provas, aponta fraude na votação. Autoridades americanas e das Organizações dos Estados Americanos (OEA) afirmam que não há evidências de ilegalidades no processo eleitoral.
O presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, usou uma rede social para colocar em dúvida se a vice-presidente eleita dos Estados Unidos, Kamala Harris, é negra. “Há dúvidas se Kamala Harris é negra. Depende. Nos EUA, negra. No Brasil, mestiça/parda. No Psol, negra por conveniência”, escreveu Camargo. Harris é a primeira mulher e a primeira negra vice-presidente.
Já o filho do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) está nos Estados Unidos desde sábado , 7, dia em que as projeções da imprensa americana consolidaram a vitória de Joe Biden e a consequente derrota de Trump. Até o ano passado, Eduardo comandou a Comissão de Relações Exteriores da Câmara, responsável sobre acordos e projetos entre Brasil e outros países.
Na viagem registrada nas redes sociais, Eduardo, no entanto, não aparece tratando de política externa. Ele também não fez comentários sobre a vitória de Biden. O filho "03" do presidente da República visitou lojas de armas e estandes de tiros. Armamento é uma das principais defesas do deputado, que tem como bandeira flexibilizar o uso e trazer novos fabricantes para o País.
Em Miami, Eduardo circulou ao lado do empresário Cristiano Piquet, brasileiro que mora nos Estados Unidos e que fez postagens nas últimas semanas defendendo a eleição de Trump. O deputado também divulgou fotos com colaboradores do CPAC, evento conservador realizado nos EUA desde 1974. / COLABORARAM CAMILA TURTELLI e EMILLY BEHNKE
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