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Crise na Ucrânia: Rússia se reúne com Reino Unido, mas diz que conversa foi 'entre mudo e surdo'

Os ministros de Relações Exteriores trocaram acusações após o encontro, com russos dizendo serem ignorados e britânicos exigindo provas de que a Rússia não invadirá a Ucrânia

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Por Redação
Atualização:

MOSCOU - O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, acusou nesta quinta-feira, 10, a sua colega do Reino Unido de arrogância e se recusar a ouvir, em um encontro rancoroso que destacou o abismo entre eles sobre a crise na Ucrânia. A britânica Liz Truss respondeu acusando a Rússia de ameaçar a Ucrânia com a concentração de soldados na fronteira.

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"Estou honestamente desapontado que o que temos é uma conversa entre um mudo e um surdo", disse Lavrov em entrevista coletiva ao lado de Truss. "Nossas explicações mais detalhadas caíram em um solo despreparado".

"Dizem que a Rússia está esperando até que o solo congele como pedra para que nossos tanques possam cruzar facilmente o território ucraniano. Acho que o solo estava assim hoje com nossos colegas britânicos, dos quais vários fatos que apresentamos foram rebatidos".

O ministro da Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, se reuniu com sua homóloga britânica, Liz Truss em Moscou Foto: Ministério de Relações Exteriores da Rússia/ via Reuters

Truss desafiou Lavrov diretamente por sua afirmação de que a Rússia não está ameaçando ninguém com o acúmulo de tropas e armamentos perto das fronteiras da Ucrânia. "Não vejo outra razão para ter 100.000 soldados estacionados na fronteira, além de ameaçar a Ucrânia. E se a Rússia leva a diplomacia a sério, eles precisam remover essas tropas e desistir das ameaças", disse ela.

Lavrov e Truss se encontraram por quase duas horas nesta que foi a primeira visita à Rússia por um ministro das Relações Exteriores do Reino Unido desde 2017. A última visita foi feita pelo atual primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, então no cargo que Truss ocupa hoje. 

Tanto no início da reunião quanto depois, as declarações de ambos os ministros e a linguagem não verbal revelaram a profunda diferença que separa Moscou e Londres.

Lavrov destacou que não foram observados pontos de aproximação com sua colega britânica, mas esperava que a reunião tenha servido pelo menos para que o Ocidente entenda melhor as preocupações russas. Segundo o ministro russo, durante a reunião ele ouviu palavras sobre uma "agressão" contra a Ucrânia e as consequências que isso teria.

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"Mas a que agressão eles estão se referindo? Quando começou?", perguntou Lavrov, repetindo em várias ocasiões que tropas russas perto da fronteira com a Ucrânia estão em seu território. Lavrov também lamentou que Londres tenha repetido a exigência de que a Rússia retire as tropas de seu próprio território.

Reino Unido quer provas 

Entretanto, Truss garantiu ter ouvido o seu homólogo, ao mesmo tempo que deixou claro a posição do Reino Unido sobre a crise ucraniana e o direito daquele país de decidir o seu futuro, referindo-se às aspirações de Kiev de se juntar à Otan, ao qual Moscou se opõe.

A ministra ressaltou que o lado britânico precisa de provas da disposição da Rússia em contribuir para uma desescalada na região. Ela destacou que, durante as conversas, o Reino Unido quer que Moscou confirme que não irá invadir a Ucrânia com "ações reais", ou seja, com a retirada dos soldados e armas pesadas da fronteira com a Ucrânia.

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No entanto, a ministra salientou que a União Europeia (UE) e a Otan devem estar preparadas para "qualquer cenário" e continuar a prestar assistência à Ucrânia para aumentar a sua capacidade defensiva. "Se houver uma invasão da Ucrânia, não será rápida, levará a um conflito prolongado, que causará danos substanciais não apenas ao povo ucraniano, mas também ao povo russo e será um golpe para a segurança europeia em geral", alertou a ministra.

Por isso, acrescentou, deve ser evitado a todo o custo, sem nunca esquecer que a Ucrânia é um país soberano que toma decisões por conta própria sobre aderir ou não à Otan. "Temos que continuar trabalhando com a Rússia para avançar nas negociações com a Otan, mas não podemos fazê-lo ao preço da integridade territorial e soberania da Ucrânia ou sacrificando a política de portas abertas da Aliança", disse ele.

A Rússia apresentou ao Ocidente uma série de exigências para garantir sua segurança, reclamando que se sente ameaçada pelas repetidas ondas de ampliação da Otan e pela recusa da aliança em descartar a adesão de sua vizinha Ucrânia, uma ex-república soviética.

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Momento mais perigoso

Ao mesmo tempo que sua ministra tinha um encontro tenso com os russos, o premiê Boris Johnson disse em Bruxelas que os próximos dias podem ser o momento mais perigoso na maior crise de segurança da Europa em décadas.

"Honestamente, não acho que uma decisão tenha sido tomada por Moscou sobre invadir", disse Johnson a repórteres na sede da Otan, ao lado do secretário-geral Jens Stoltenberg. "Isso não significa que seja impossível que algo absolutamente desastroso possa acontecer muito em breve. E nossa inteligência, temo dizer, permanece sombria", disse Johnson.

Mais cedo, Johnson havia dito que o Reino Unido está disposto a enviar mil soldados a mais em caso de uma crise humanitária na Ucrânia, anunciou nesta quarta-feira. "A Aliança precisa deixar claro que existem certos princípios que não vamos comprometer", declarou Johnson em um comunicado, citando "a segurança de todos os aliados da Otan e o direito de qualquer democracia europeia aspirar à adesão à Otan".

As reuniões de hoje acontecem ao mesmo tempo em que a Rússia inicia exercícios militares com Belarus perto da fronteira ucraniana. Os exercícios devem durar até o dia 20 de fevereiro e consistem em “suprimir e repelir agressões externas”, disse a Rússia.

No encontro, Lavrov assegurou que as tropas russas retornarão às suas bases após o fim dos exercícios militares conjuntos. Ele descreveu como um "drama" que a cada dia lembra mais uma "comédia" a reação ocidental às manobras.

Entretanto, acrescentou, ao contrário dos exercícios russos, as tropas que os Estados Unidos, o Reino Unido e o Canadá enviam para os países bálticos e outros países banhados pelo Mar Negro, não retornam aos seus países. "Essas tropas e armas, via de regra, nunca voltam para casa", enfatizou.

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No mesmo dia, o Reino Unido publicou uma nova legislação ampliando o escopo de pessoas ligadas à Rússia que podem ser sancionados se Moscou invadir a Ucrânia. 

"O Reino Unido agora pode sancionar não apenas aqueles ligados diretamente à desestabilização da Ucrânia, mas também entidades afiliadas ao governo da Rússia e empresas de importância econômica e estratégica para o governo russo, bem como seus proprietários, diretores e curadores", disse um comunicado do ministério das Relações Exteriores. 

A Rússia e a Grã-Bretanha têm relações terríveis há anos, atingindo pontos baixos com o envenenamento fatal em 2006 do ex-oficial de segurança russo Alexander Litvinenko em Londres e a tentativa de assassinato do ex-agente duplo russo Sergei Skripal e sua filha com um agente nervoso na cidade inglesa de Salisbury em 2018.

Lavrov disse que Londres nunca apresentou nenhum fato para apoiar suas acusações de envolvimento russo em ambos os casos, ou na tentativa de envenenamento do crítico do Kremlin, Alexei Navalny, em 2020./AP, EFE e REUTERS

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