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Eleições no Chile: a vitória da política; leia a análise

País viu um dos principais líderes dos protestos sociais de 2019 vencer a eleição presidencial neste domingo

Por Pedro Abramovay e Talita Tanscheit
Atualização:

Nenhum dos movimentos de protestos ao redor do mundo que se iniciaram a partir de 2011 com a Primavera Árabe teve um sucesso tão impressionante quanto os protestos de rua que tomaram o Chile em 2011.

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O país assistiu no domingo 19 à vitória de um dos principais líderes daqueles protestos: o jovem líder estudantil, à época com 25 anos, torna-se agora o jovem presidente eleito, com 35 anos.

O que diferenciou o Chile de todos esses outros casos? A aposta na política. Mais especificamente, na política eleitoral. Enquanto muitos desses movimentos ao redor do globo transformaram a revolta contra os políticos no poder em revolta contra a política, no Chile a revolta contra as estruturas envelhecidas de poder virou a aposta na política.

Apoiadores de Gabriel Boric comemoram vitória do candidato esquerdista à presidência do Chile nas ruas de Santiago Foto: MARTIN BERNETTI / AFP

Os jovens das manifestações deram origem a candidaturas independentes e, em 2013, ocuparam não só as ruas, mas o Parlamento. Nos anos seguintes, estes mesmos jovens fizeram apostas ainda mais altas, fundando organizações políticas. A presença desses grupos nos últimos anos, período pelo qual Chile passou por governos de centro-direita e de centro-esquerda, possibilitou que as reivindicações das ruas permanecessem presentes como alternativa política a um pacto político então existente. Um pacto que, se trouxe um desenvolvimento relativo para o país, manteve um nível assustador de desigualdade.

Assim, quando as ruas chilenas foram novamente ocupadas em 2019, havia organização política suficiente para que, mesmo diante da repressão brutal, se canalizasse a energia das ruas para a política.

Desta vez não se tratava apenas de conquistar cadeiras no parlamento, mas de substituir a Constituição escrita pelo ditador Augusto Pinochet por uma democrática.

Após um referendo e uma eleição para a Assembleia Constituinte que consagraram os movimentos das ruas, o Chile parecia caminhar para uma mudança de inspiração progressista. Mas apostar na política é estar preparado para lidar com oposições. E a oposição a um movimento que oferecia mudanças profundas em temas tão sensíveis não veio apenas das estruturas políticas tradicionais e que governam o Chile desde o fim da ditadura. Mas por meio de um discurso de ultradireita, personificado em José Antonio Kast, que fez do medo sua plataforma eleitoral.

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Kast mobilizou as parcelas mais conservadoras do eleitorado chileno e terminou o primeiro turno à frente de Gabriel Boric. Ambos representavam uma ruptura com a alternância entre centro-direita e centro-esquerda no Chile. Kast trazendo um saudosismo da ordem ditatorial, Boric prometendo um futuro diferente, mas incerto. 

No domingo, o Chile saiu para votar em massa, na maior participação eleitoral dos últimos 30 anos. E o resultado foi favorável a Boric. Sua vitória é uma grande lição para os movimentos que representam a indignação ao redor do mundo. A superação dos pactos que mantém as desigualdades pode começar nas ruas, mas só tem chance de acontecer por meio da aposta na política e na luta democrática pelo poder.

As mudanças que Boric prometeu - e que estão sendo debatidas pela Constituinte - são muito profundas: um Estado de bem-estar social onde direitos fundamentais são garantidos à população, uma agenda climática articulada à inclusão social, o reconhecimento dos povos originários e a valorização das mulheres na vida política do país. Em seu discurso de vitória, Boric já sinalizou que o caminho passará pelo diálogo com todo o Chile. A política sempre foi a aposta dessa geração. Agora, farão isso a partir da cadeira presencial.

* São advogado e diretor da Open Society Foundations para América Latina e Caribe e Cientista Política e Pesquisadora do Observatório Político Sul-Americano (OPSA) do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ).

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