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No G-20, Bolsonaro adota discurso mais 'light' do que rascunho discutido por equipe

Presidente brasileiro trocou críticas à globalização por defesa do multilateralismo; menção à crise na Venezuela foi praticamente suprimida do discurso final

Foto do author Beatriz Bulla
Foto do author Célia Froufe
Por Beatriz Bulla e Célia Froufe (Broadcast)
Atualização:

O tom adotado pelo presidente Jair Bolsonaro no discurso com líderes dos demais países que formam os Brics nesta sexta-feira, 28, na cúpula do G-20, no Japão, foi diferente do que o que chegou a ser ensaiado nos bastidores da delegação brasileira. Um dos rascunhos da fala do presidente brasileiro, ao qual o Estado teve acesso, continha crítica ao processo de globalização, defesa do nacionalismo e um pedido aos demais países para que apoiem a transição de governo na Venezuela. No evento, contudo, Bolsonaro optou por uma linha mais moderada. No lugar de referências à globalização, defendeu o sistema multilateral e a reforma da Organização Mundial do Comércio (OMC), em linha com o comunicado do grupo. As críticas foram direcionadas para o protecionismo no comércio.

Da esquerda para a direita: Xi Jinping, presidente da China;Vladimir Putin, presidente da Rússia; Jair Bolsonaro, presidente do Brasil; Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia;e Cyril Ramaphosa, presidente daÁfrica do Sul Foto: Mikhail Klimentyev/AFP

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O discurso no evento dos Brics, que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, foi o primeiro de Bolsonaro no Japão, onde participa do encontro do G-20. A ideia do presidente brasileiro é aproveitar a vitrine internacional da cúpula das 20 maiores economias do globo para modular a imagem que tem no exterior. Desde que assumiu a presidência, Bolsonaro se queixa de como foi retratado em veículos internacionais.

A prévia do discurso de Bolsonaro sugeria que o presidente abordasse que um dos desafios do momento é o de “dar face humana ao processo de globalização”. Um dos trechos que constavam no rascunho e foram retirados do discurso final afirmava: “Não queremos, porém, que a globalização destrua nossas identidades nacionais, mas que seja um fator a reforçá-las. Nossos povos têm em comum esse anseio e precisamos trabalhar para atendê-los”.

A defesa do nacionalismo, tradicionalmente bandeira do chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, e do assessor de assuntos internacionais do Planalto, Filipe Martins, foi substituída pelo apoio enfático ao sistema multilateral de comércio.

Apoio ao multilateralismo comercial

“Em meu governo, o Brasil reafirmou seu apoio ao sistema multilateral de comércio, por ter certeza de que o dinamismo da economia mundial depende dele. Estamos plenamente dispostos a seguir colaborando para a reforma da OMC e para a construção de uma agenda negociadora equilibrada”, afirmou Bolsonaro no evento. Correntes protecionistas e práticas econômicas desleais foram citadas pelo presidente como fonte de tensões comerciais e risco para a estabilidade das regras internacionais de comércio.

Em tempos de guerra comercial entre China e Estados Unidos, e imposição de tarifas mútuas a produtos pelos dois lados, a crítica ao protecionismo respinga na política comercial de Donald Trump, aliado do brasileiro. Trump, por sinal, é conhecido por desprezar o sistema multilateral e fazer duras críticas à OMC.

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O presidente brasileiro defendeu ainda a busca de soluções para o impasse envolvendo o Órgão de Apelação e o sistema de solução de controvérsias da OMC, também na mesma linha da declaração conjunta do grupo. O governo Trump bloqueou a nomeação de juízes para a Organização, o que faz o órgão trabalhar com o número mínimo de juízes exigidos para funcionar - três das sete vagas. Em dezembro, o bloqueio poderá paralisar o tribunal por completo. O Broadcast/Estadão apurou na semana passada que, para evitar que isso aconteça, os membros da Organização têm buscado um “plano B”, mas que devido à necessidade de um consenso, tem ocorrido uma “bateção de cabeças”.

Venezuela ficou de fora

A menção à crise na Venezuela foi praticamente suprimida do discurso final. A ideia de uma das versões elaboradas pela equipe do presidente era pedir que países do bloco que “mantêm importantes relações com a Venezuela” pudessem “contribuir decisivamente para o fim dessa grave crise” e pedia explicitamente apoio para a transição de poder no país vizinho. A mensagem sobre a Venezuela seria um claro recado a chineses e, especialmente, russos. Os dois países deram sustentação ao regime chavista e fortaleceram o discurso de Nicolás Maduro de que ele não está sozinho perante o apoio da comunidade internacional. Anos de parceria com Rússia e China também possibilitaram que o regime chavista montasse um arsenal militar, com blindados usados na repressão de manifestantes.

No discurso final, no entanto, Bolsonaro retirou a fala prevista sobre a Venezuela. O presidente brasileiro se limitou a falar sobre o tema brevemente após discurso do presidente da Rússia, Vladimir Putin, e sem pedir a transição de regime defendida pela diplomacia brasileira. “Temos alguns problemas, sim, e espero contar com a participação de todos para solucionarmos pacificamente a questão da nossa Venezuela”, disse Bolsonaro.

Em janeiro, China e Rússia mostraram oposição ao reconhecimento de Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela, iniciativa encabeçada pelos Estados Unidos e seguida por cerca de 50 países, incluindo o Brasil. A pressão sobre Rússia e China para que deixem de apoiar Maduro é uma das frentes adotadas pelo governo americano contra o regime chavista.

Bolsonaro foi o primeiro a discursar na reunião dos líderes dos Brics. Em novembro, o Brasil vai sediar uma cúpula do grupo pela terceira vez, em Brasília.